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Entre

A volatilidade contemporânea, essa nossa condição de transitar entre o concreto e o virtual, entre o real e o espectral, entre o agora e o que já foi, pede que a gente entenda a arte como travessia e não como chegada. Há sempre um instante em que tudo se transforma. O tempo escorre pelas frestas, o contorno se desfaz e é nesse limiar movediço que minha poética se insinua, com um olhar para a transição, entendida não como uma passagem de um estado a outro, mas como um habitar do instante que se dissolve, como um corpo que se equilibra sobre a linha tênue do que foi e do que ainda não é. Tento capturar o gesto enquanto ele ainda se forma, enquanto tateia o ar em busca de contornos. Por isso, meu fazer se afina mais ao esboço do que à tela imaculada. Cada gesto contém rastro e rasura. A linha traçada é também a linha desfeita - traço e apagamento coexistem. É a arte como respiro, não como monumento. Crio assim formas que não se fecham, mas que se abrem em fendas e em fluxos. Trabalhos que existem não no repouso, mas na iminência da mudança. É o risco da impermanência que os sustenta. A visualidade que busco está entre a fumaça e a terra, o vapor e o gelo, o desmoronamento e a germinação, o etéreo e o tátil. E se a contemporaneidade é volátil, é porque ela habita o interlúdio, o espaço entre a ruí­na e a construção, a construção e a ruína. Minha arte não pretende capturar o instante antes que ele se vá. Ela quer dançar com ele enquanto ele escapa.

                                                                                                                                          

                                                                                                                                          Virgilio Neves, março de 2025

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